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Ator catarinense lança 2ª edição de trabalho que traduz obra de Cruz e Sousa para pessoas surdas e cegas

Ator catarinense lança 2ª edição de trabalho que traduz obra de Cruz e Sousa para pessoas surdas e cegas

Ator catarinense lança 2ª edição de trabalho que traduz obra de Cruz e Sousa para pessoas surdas e cegas 1080 1080 Fecam Portal

Em Santa Catarina, mais de 70 mil pessoas têm deficiência auditiva. Os dados são do último censo do IBGE. Grande parte das pessoas surdas não é alfabetizada em português e consegue se comunicar apenas por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras). São milhares de pessoas que têm seu acesso limitado à leitura e literatura por falta de acessibilidade, muitas delas em idade escolar e que enfrentam dificuldades nas aulas de literatura brasileira

Considerando essa realidade, o ator e professor de teatro Robson Benta, com quase 40 anos de atuação artística e uma década de experiência em métodos de inclusão por meio da arte, lançará no dia 24 de agosto a 2ª edição do projeto “Cruz e Sousa para Todos – Últimos Sonetos para ver e ouvir”.

A primeira edição, lançada em 2021, está disponível para acesso gratuito no YouTube. Um conjunto de 48 poemas de Cruz e Sousa (1861-1898), poeta negro, catarinense e um dos mais importantes artistas do simbolismo no Brasil, foi traduzido para Libras e interpretado em um videobook para a comunidade surda e um audiobook para pessoas cegas.

Nesta segunda edição são apresentados mais 48 sonetos, totalizando os 96 poemas publicados após sua morte no livro Últimos Sonetos, de 1905. A interpretação dos poemas em Português é feita por Robson e em Libras por Darley Goulart, ator surdo, e pela intérprete Núbia Amorim. Uma das novidades desta edição é a audiodescrição feita no videobook, possibilitando que os quase 200 mil catarinenses, segundo o último censo, cegos ou com baixa visão tenham o direito à acessibilidade garantido, além de terem acesso também a um audiobook com os sonetos gravados na voz de Benta.

O lançamento do projeto será no dia 24 de agosto, uma quarta-feira. A exibição de estreia do videobook será às 19h. Em seguida, às 20h, Robson Benta realiza uma uma live para falar sobre o trabalho. As duas transmissões serão realizadas pelo YouTube, no canal Robson Benta – Arte para Todos.

O projeto “Cruz e Sousa para Todos: Últimos Sonetos para Ver e Ouvir – 2ª Edição” foi selecionado pelo Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura – Edição 2021 e executado com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura.

 

Conversas sobre inclusão e acessibilidade em setembro

Além da live de lançamento, será realizada a Semana Cruz e Sousa para Todos, de 12 a 17 de setembro, mês em que se celebra, em 21/09, o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, com uma programação de lives sobre práticas e políticas de acessibilidade.

As lives terão a participação de integrantes do projeto, gestores públicos de cultura e educação, de cidades que integram a Federação Catarinense de Municípios – FECAM, integrantes de Conselhos de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e representantes de associações de surdos e cegos das seis mesorregiões de Santa Catarina.

“Esses eventos têm como objetivo fazer chegar as obras em vídeo e áudio ao maior número possível de pessoas surdas, cegas ou com baixa visão, e também professores, artistas e demais profissionais que atuam no ecossistema da inclusão no estado”, afirma o ator Robson Benta. O videobook e o audiobook poderão inclusive ser utilizados em sala de aula em práticas pedagógicas inclusivas para estudantes de diversas áreas.

“Cruz e Sousa para Todos” é um projeto que integra o Programa de Formação Cultural Arte para Todos, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa da Arte pelo Movimento (IMPAR). Neste ano, o programa completa 10 anos de realizações artísticas e culturais, com a participação de pessoas surdas, cegas, neurodiversas, com deficiência intelectual, deficiência física, transtorno mental e outras características.

Desafio de traduzir a linguagem do simbolismo para Libras

Uma das características do simbolismo, corrente da literatura a qual Cruz e Sousa pertenceu, é a sua subjetividade. A poesia do catarinense é complexa e usa palavras e expressões que não são mais comuns nos dias de hoje.

Para traduzir os poemas para Libras, Robson Benta, conhecedor da obra de Cruz e Sousa, apresentou para Darley Goulart – ator surdo, tradutor e consultor em Libras – e Núbia Amorim – assessora e intérprete de Libras, o contexto da época em que Cruz e Sousa escreveu e também algumas características do Simbolismo europeu que foi a referência para o poeta e ajudam a entender melhor o vocabulário usado nos sonetos.

“Na interpretação em Libras é preciso tomar o cuidado de não se usar expressões com sentido figurado. A pessoa surda tem dificuldade de entender figuras de linguagem, pois compreendem o sentido literal do que está sendo dito. Por isso, o trabalho foi cuidadoso para conseguirmos expressar o real sentido contido nos sonetos de forma clara e mais simples, com o objetivo de facilitar o entendimento”, explica Darley.

Quem foi Cruz e Sousa

João da Cruz e Sousa nasceu no ano de 1861, em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis. Filho do mestre pedreiro Guilherme da Cruz e da lavadeira Carolina Eva da Conceição, ambos negros escravizados e depois alforriados, Cruz e Sousa recebeu o sobrenome e a proteção do senhor de escravos que o apadrinhou, o coronel Guilherme Xavier de Sousa.

Aos oito anos de idade já demonstrava gosto pela poesia e entre 1871 e 1875 o jovem poeta cursou, como bolsista, o Ateneu Provincial Catarinense, estabelecimento educacional de elite. Teve como professor de ciências naturais o naturalista alemão Fritz Muller, amigo e colaborador de Darwin.

Inteligente e perspicaz, Cruz e Sousa se destacou por sua capacidade intelectual e bagagem cultural. Mesmo assim, sofreu muito com o racismo de uma sociedade de contexto altamente escravista, o que o impossibilitou de se desenvolver profissionalmente e ter reconhecimento em vida como poeta.

Ao longo dos anos, o escritor se engajou na campanha abolicionista e escreveu poemas e colaborações para jornais falando sobre o tema. Cruz e Sousa publicou em vida quatro obras: Broquéis (1893) – poesia, Missal (1893) – poemas em prosa, Tropos e fantasias (1885) – poemas em prosa (parceria com Virgílio Várzea) e Julieta dos Santos (1883) – poemas. Outras seis, incluindo “Últimos Sonetos” (1905), foram publicadas após sua morte: Evocações (1898) – poemas em prosa, Faróis (1900) – poesia, Outras evocações (1961) – poemas em prosa, O livro derradeiro (1961) – poesia, Dispersos (1961) – poemas em prosa”.

Cruz e Sousa morreu em 1898 no estado de Minas Gerais, onde começaria a se tratar da tuberculose. “Dante Negro”, ou “Cisne Negro”, como também é conhecido, o poeta inaugurou no Brasil o Simbolismo, movimento literário do século 19 que defende a presença da emoção e da subjetividade humana na arte -, e se torna um dos ícones da escola simbolista e referência internacional da literatura catarinense.

A relação de Robson Benta com Cruz e Sousa

Robson Benta é ator e professor de teatro. Há 38 anos participa do cenário cultural catarinense e atualmente é diretor dos grupos de teatro “Arte para Todos” e “Louco é Pouco”, integrante do Coletivo Impar de Teatro e também professor de teatro no Programa de Formação Cultural Arte para Todos, na Casa da Cultura Fausto Rocha Jr. e no Colégio Bonja.

Ao longo de sua trajetória artística, Robson Benta interpretou Cruz e Sousa em diferentes momentos. O primeiro deles foi em 1994, quando o ator foi convidado a viver o escritor no curta-metragem “Alva Paixão”, da cineasta Maria Emília de Azevedo, ao lado da atriz Zezé Mota, que interpretou Gavita, companheira do poeta.

Em 2007, Robson viveu Cruz e Sousa no palco. A peça “Emparedado”, da Cia Joinvilense de Teatro, dirigida por Borges de Garuva, era um protesto contra teorias racistas tão presentes no final do século 19.

Dois anos depois, em 2009, voltou a encarnar o poeta no cinema, no filme “Entre Tulipas e Girassóis”, de Celso Carlos Castellen Jr. E em 2012, o videoarte “Uma escada para João”, um projeto coletivo produzido pelo IMPAR e Mídia Quatro Filmes, uniu literatura, artes cênicas, dança, música e audiovisual, mostrando as muitas possibilidades do fazer artístico e poético.